Prazeres incolores

Por dois segundos, tenho novamente 10 anos de idade. Mas logo lembro que estou numa farmácia e podem achar estranho uma mulher com mais de 1,70m cheirando um vidro de L'Oréal Kids de morango. Largo a embalagem - que já não é igual àquelas da minha infância - e saio à procura dos produtos que realmente preciso.

Andando pelo shopping, sinto de novo o cheirinho que sentia quando, sem sono, me embrenhava no pescoço da minha mãe, para, em menos de cinco minutos, estar dormindo placidamente. Mas a lembrança se distancia quando a senhora usando Azzaro entra numa loja qualquer.

Numa visita em plena hora do recreio ao colégio que estudei, viajo sem sair do lugar absorta numa mistura de biscoito wafer, suco de uva, suor de criança, fandangos e areia. Consigo até me ver sentada naquele pátio com minha merendeira da Angélica.

Mas não só lembranças boas me trazem os cheiros. Mesmo 15 anos depois de ter tido piolho, identifico de longe o odor insuportável do remédio que usei para exterminá-los. E uma agonia me domina ao recordar as sofridas "férias do piolho".

Flores, muitas flores juntas também não agradam muito. Herdei, não sei por que, a mania da minha mãe de achar que o cheiro das flores remetem a enterros.

Tem cheiro que dá água na boca: cebola refogando, bolo crescendo, pão de alho dourando na churrasqueira...

Tem cheiro que conforta: o arominha não-identificável do início de dezembro, que nada mais é do que as férias dizendo "tô chegando!". E com ele vêm o odor do filtro solar, o poder inebriante da maresia, o cheirinho gelado do sorvete do fim da tarde...

E tem aqueles cheiros especiais que só sentimos uma vez por ano: a vela queimada do outro lado do bolo.

Os cheiros não matam e não engordam. São prazeres incolores...

foto: GettyImages