segunda-feira, 17 de março de 2014

A pergunta que interessa

Rio de Janeiro, alguma tarde de verão, 38 graus.

Entro na farmácia crente de que, quando passar pela porta, vou receber a brisa geladinha do aparelho de ar condicionado que costuma ter em lojas grandes. Se costuma, não é regra. Cruzo o limite entre a rua e o estabelecimento comercial e sinto um bafo quente no rosto. Uma gotinha de suor até escorre pelas minhas costas, numa cena bem menos sexy que a de um antigo comercial de cerveja. O calor é tanto que mal consigo lembrar porque estou ali. Largo o celular na bolsa e quase corro pelas gôndolas. Tenho que ficar o menor tempo possível dentro daquela filial do inferno. O esforço não adianta muito, já que a fila para pagar está gigante. Várias cadeiras e computadores vazios. Só dois caixas funcionam, um preferencial e outro para pessoas, digamos, "normais". Engraçado é que no caixa preferencial, passando as compras, está um rapaz que parece bem "normal". Ele claramente não tem mais de 60 anos, aparentemente não tem deficiência física, nem segura uma criança nos braços. Ah, olhei para a barriga e percebi que ele não está grávido. A moça que logo atrás dele espera ser chamada no caixa preferencial tem um bebê no colo. Sem jeito, ela tenta equilibrar a cesta de compras e o neném, além de tentar abaná-lo. O cara não termina nunca de passar as compras dele. Nisso, a minha vez no caixa "normal" chega. Eu, morta de calor, mas morrendo de pena da moça com o bebê, digo: "Pode passar aqui nesse, moça". A funcionária da farmácia me repreende: "Não, senhora. Esse caixa não aceita ninguém da fila preferencial". Eu reajo, sem entender nada: "Como assim? É claro que aceita! Qual é a diferença?". Ela: "Não posso, é norma da gerência". Eu, chocada: "Mas ela está com uma criança no colo! Qual é o sentido da fila preferencial?". Ouço um burburinho atrás de mim. Era o pessoal da minha fila reclamando que eu estava armando barraco e demorando ainda mais o processo. A menina do caixa, impassível, me mandar um olhar de xeque-mate: "É crédito ou débito, senhora?". Eu nem raciocino direito. Passo as compras, pago sei lá se no débito ou no crédito e vazo o mais rápido possível daquele lugar. Quase na saída, vejo que a moça com o bebê no colo começava a ser atendida no caixa preferencial. Coitada, pensei. E coitada também da atendente da farmácia, que cumpre ordens e trabalha numa loja sem janelas e com ar condicionado desligado em pleno verão. No fim das contas, só uma pergunta
interessa: "É crédito ou débito?"

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