domingo, 18 de julho de 2010

Sidney Miller: a lembrança que não tenho

Lembro que desde pequeno eu olhava pro alto nas festas de família e ouvia meus pais, tios e primos falando em tom saudoso e fazendo reverência ao artista consagrado que a maioria ali naquela sala teve a honra de conviver.
Sidney Miller chegou aos meus ouvidos pela primeira vez como tio Ney, uma figura simbólica na família que eu não sabia o que fazia nem mesmo onde estava. Só sabia dos seus desenhos pendurados nas paredes do quarto e do porta-retrato com seu rosto que nos recebia toda vez que entrávamos pelo hall da sala da minha avó. Eu sabia que ele era irmão da minha mãe mas faltava entender quem ele tinha sido e porque tinha ido embora tão cedo.
Ainda criança fui conhecendo Sidney Miller fora das fotos e das lembranças de parentes. Fui apresentado com a canção O circo que aparecia nos meus livros didáticos de CA e eu tinha o prazer de ouvir a professora botando pra tocar em sala. Achei até que fosse um compositor infantil, quando somente anos depois fui tomando um pouco mais de gosto pela música e descobri A estrada e o violeiro. Chegava do colégio e ouvia inúmeras vezes seguidas essa música, até entender que Nara Leão era a estrada e tio Ney o violeiro, e que nessa música eles dialogavam lindamente. E pedindo um ao outro que o levassem, acabaram me levando também para o mundo de sua obra. Não parei mais.
Se expressava em estrofes tão simples e precisas e misturava o sabor da vida nas melodias serenas do seu violão. Já um pouco mais velho eu entendia melhor a profundidade e o contexto de suas letras. Paralelos aos estudos sobre a ditadura na escola, a música Pois é, pra quê enchia meus olhos. Eu começava a explorar mais ainda as recordações sobre sua vida artística. Encontrava discos, fitas cassetes e CDs aqui em casa. Procurava seu nome em livros sobre música brasileira e perguntava até demais sobre ele pra minha mãe. Às vezes tinha até vontade de ter nascido 20 anos antes pra ver de perto seu encanto, pra ouvir dele histórias da música, pra me inspirar mais do que eu já me inspiro hoje.
Desde então eu só venho me encantando mais e mais com o seu trabalho. Ainda assim acho que sou talvez quem tenha menos propriedade pra falar de Sidney Miller hoje. Não convivi nem o conheci e ainda estou longe de conhecer plenamente sobre o músico, letrista e poeta que foi. Por outro lado foi talvez quem me fez um amante da música brasileira, das sutilezas líricas e dos versos. Hoje eu até escrevo cantos e arrisco notas no violão por ter que satisfazer esses prazeres musicais que eu adquiri. E levo lições comigo:

Nosso amor passou eu sei
No princípio eu não quis acreditar

Chorei

Mas, depois eu tive que me conformar

Me conformei

A realidade foi maior

Aprendi nessa dor
A mágoa não compensa

E o orgulho é mais cruel

Que toda a indiferença

Nós, os foliões

Há 30 anos foi-se embora Sidney Miller. Fica minha homenagem e meu orgulho declarado.

7 comentários:

Anônimo disse...

Entre a inspiração e o orgulho, um detalhe: é assustadora a semelhança física entre vocês. Vai ver é peça do destino que, quando não junta alguma coisa, dá outro jeito de aproximar o que deve ficar lado a lado. =D

Marcela Capobianco disse...

é muito legal ver a ligação de vocês. vocês nunca se conheceram, mas sinto que têm muitas afinidades e são muito amigos. você é muito privilegiado por ter na família uma memória artística tão viva!

ps: guilherme nunca viu a sua avó, né? a mesma forma!

Marcelo Moutinho disse...

Muito bacana a homenagem. Tbm escrevi sobre seu tio hoje lá no site (www.marcelomoutinho.com.br). Abraço

Anônimo disse...

Se o Felipe Massa pudesse ter um filho com o Billie Joe, seria esse da foto.

Cassio disse...

Caro João Miller, esta é a primeira vez que leio um comentário de alguém da família do grande Sidney Miller e foi muito tocante a sua homenagem. No site da editora Outras Letras tem um projeto sobre Sidney Miller que não vai pra frente (inexplicavelmente). A autoria, como você já deve saber é de Augusto Pinheiro e, pelo folder, é um projeto belíssimo e essencial. Músicas como "Pois é, pra quê" , "O Circo" , "A Estrada e o Violeiro" são de um lirismo e de uma angústia exasperante de tão belas. Você tem alguma notícia sobre a possível viabilidade do projeto da editora? Parabéns pelo texto e um grande abraço.

João Miller disse...

Cassio, me dá um contato seu pra que eu possa te responder
Abraços

Cassio disse...

Caro João, desculpe o atraso da resposta...Mea culpa, mea maxima culpa.O meu e-mail é orwelldickens@ig.com.br.Um grande abraço caro João e desculpe, de novo, pela demora.

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