sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Aquele olhar

Estou nos últimos momentos de "Meu nome não é Johnny". O livro. Não cheguei a ver o filme, ainda bem, porque consegui ser completamente absorvida pelas peripécias de João Guilherme Estrella, um personagem real que tem a maior pinta de ficção. Não quero terminar de ler, quero estender o meu prazer pelo maior tempo possível. Mas, ao mesmo tempo, quero logo devorar as 30 páginas que me faltam. Foi esta dicotomia que me fez vir até aqui expôr uma ideia que veio à cabeça enquanto lia.
João Guilherme Estrella era um cara descolado, criado na Zona Sul dos anos 80. Queria ser músico, mas acabou se tornando um dos maiores traficantes do Rio, quem sabe do Brasil, em meados dos 90. Acabou sendo preso no auge do poder, como "o barão do pó". Apesar de todos os crimes, a juíza responsável pela sua condenação sentia que ele não tinha alma de criminoso. No primeiro natal que Estrella passou preso, a juíza lhe mandou um cartão que dizia "O verdadeiro lugar de nascimento é aquele em que lançamos pela primeira vez um olhar inteligente sobre nós mesmos".
Fiquei embevecida pela frase. Já avancei um bom número de páginas desde que a li, mas sempre volto àquela específica, para grudar a frase na memória e poder lembrá-la para sempre.
De imediato, as palavrinhas da juíza me causaram alívio. Apesar de viver no Rio desde um mês de idade, não nasci aqui. E, em algumas horas, a carteira de identidade importa. Só eu sei o quanto sofri na infância quando alguns coleguinhas faziam questão de falar "Você não é carioca, muito menos da gema"... Atravessada a superficialidade, tratei de refletir se já havia lançado sobre mim um olhar inteligente. Foi difícil, mas me lembrei das férias de julho de 2004, quando, pela primeira vez, percebi que eu era meio diferente do que se espera de uma adolescente de 14 anos. Meio entediada, descobri um cd com as melhores músicas da Tropicália. E me apaixonei. Passei julho inteiro descobrindo aquele universo, cada letra, cada cor, cada arranjo revolucionário, cada grito. Queria fazer parte daquilo, mas tinha vergonha de admitir para os outros. O que os meus amigos da 8ª série iam pensar de mim se eu voltasse das férias cantando "Bat macumba ieiê, bat macumba obá"?
Aí o tempo foi passando, eu fui (re)descobrindo a minha turma... e hoje, da vergonha que existia, nem sinal. Não sei precisar quando, mas o meu primeiro olhar inteligente sobre mim mesma surgiu certamente, por causa daquelas férias entediantes de 2004. E por culpa da música.

foto GettyImages

3 comentários:

Carlos Pinto disse...

Eu sempre comento no seu Blog, e gosto disso, mas confesso que pra esse assunto eu fiquei meio perdido sobre o que falar. Inclusivel a frase que vc diz ter ficado embevecida eu não entendi nada. Depois vc me explica? Bjs

Marcela Capobianco disse...

hahaha explico.

em tempo: a frase que me embeveceu é da escritora belga Marguerite Yourcenar.

Cena Seguinte dá crédito! =)

João Miller disse...

Acho que eu tô nascendo toda hora então. Sem a pretensão de estar lançando sempre um olhar inteligente, mas porque eu nunca sei se o que eu havia lançado era de fato um olhar sobre mim

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