sábado, 19 de fevereiro de 2011

Luck

Nunca fui dos mais apegados a cãezinhos e criaturazinhas domésticas. No começo não tinha nem coragem de fazer carinho. Fugia dos elevadores de serviço onde estavam a espreita de um latido agudo e ficava em lugar alto quando a coleira soltava. Morria de medo de ser mordido e morrer. Isso porque nunca tinha sido apresentado a nenhum. Não direito. Portanto era natural minha desconfiança.
Os cachorros não matam assim e eu fui percebendo isso. Na verdade eles são domesticados. É o que se espera de cães de estimação que convivem com seres humanos debaixo de seu próprio teto. Mas por incrível que pareça eu aprendi isso com um cachorro. Indomesticável.
Era um valente schnauzer miniatura, um cãozinho de uma família de grandes amigos que moram no mesmo prédio que eu. Luck era quase um ser humano. Virei amigo dele logo, ultrapassando as mesmas dificuldades de convívio com amigos de temperamentos difíceis. Ele se apresentou para mim com uma mordida, encerrando logo com meu medo de ser morto por animais. Um abocanhar de dentes inofensivo mas doloroso. Mais uma lição de moral do que qualquer outra coisa, o que se repetiu diversas vezes.
Meu respeito por Luck começou nesse momento. Era preciso sentar no chão e olhá-lo nos olhos. Aí sim valia um carinho sem riscos. Eu não tinha o primeiro ímpeto de acariciá-lo, ele que vinha me pedir. Foi nesse momento que ficamos amigos e eu já me sentia seu quinto dono.
Luck tinha o hábito de sair de casa sozinho e fugir pelas escadas. Isso porque morava no último andar e muitas vezes descia até o térreo, o que lhe valem 13 andares - contando com play e garagens - de gás e muito fôlego. Não tinha bronca que o pusesse na linha, por mais que seu esforço fosse só para um mero passeio. Já aconteceu de muitas vezes estarmos todos no pátio do prédio e Luck simplesmente aparecer como se viesse mandar seu dono subir para casa.
Num desses seus impulsos de liberdade, Luck foi parar no tapete da minha porta. Evidentemente não tocou a campanhia. Mas o que parecia uma de suas fugas para seus donos, desesperados atrás dele, para ele foi uma simples visita. Se guiou pelo faro e inacreditavelmente encontrou meu apartamento. Achou logo o meu num prédio com nove andares e oito apartamentos por andar. Por isso há quem diga até hoje que Luck pegava elevador. Eu nunca duvidei.
Depois de mais fugas numerosas e episódios como esse, Luck virou meu cão preferido. Eu que nunca me imaginei apegado a cães fui logo me admirar pelo seu talento indomesticável. Não dava a patinha, não pedia ossinho, nem mesmo deixava ser pego no colo. Mas era especial. No duro era só mais um ser humano naquela casa. Já bem velho até mentia a idade. Mas notava-se que não latia mais como antes nem fugia por aí.
Achei que Luck nunca fosse embora de vez. Tenho para mim, que já no topo do prédio ele só mudou o trajeto. Dessa vez fugiu pelas escadas de cima.

4 comentários:

Lúcia disse...

Emocionante!!! Luck vai deixar saudades! Belo texto! Parabéns e bjs da sua fã número 1, desde que você era pequetito!

mariana disse...

aaaah, q fofo... schnauzers são assim mesmo, o da minha vó tb é. latia, mordia, saía correndo, jamais permite q peguem ele no colo. mas um dia minha vó comprou outro cachorro, pra fazer companhia a ele. incrivelmente, ele ficou mt mais dócil - não late mais enlouquecidamente, não morde tanto mais, pq, qd quer morder, sai no pau com o outro cachorro. q tb não é lá mt dócil, diga-se de passagem. mas continua não permitindo q peguem ele no colo.

mariana disse...

aliás, rolava um post mais alegre, né? pra compensar os 2 últimos.

tathy disse...

esses bichanos fazem o nosso dia a dia mais feliz. Nos mostram e ensinam, cada um do seu jeitinho, o lado mágico da vida. Cada um tem a sua qualidade, seus defeitos, suas esquisitices, rabugentices e manias mas TODOS, eu disse TODOS, tem algo maior, que ultrapassa qualquer limite: a amizade e companheirismo.

Não vivo sem <3

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