quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Monólogo entre rodas

Prazer, eu sou motorista há três meses. Digo porque saí por aí só eu e o carro muito depois de tirar a carteira. É, não é nenhum possante, antes que se pergunte o que faz um estudante da PUC entrar num estacionamento senão com um Civic ou um i30 novo. Demais, um caçula como eu só tem esse direito porque os irmãos trabalham perto de casa. Minha justificativa de estudar particularmente longe sempre é válida. E por isso tenho me tornado um motorista.
Por não querer que o velho Siena da família ficasse empoeirado na garagem, a primeira vez que eu saí foi por causa de uma história mentirosa. Já confiante na direção, num súbito impulso imaginativo, resolvi ligar da faculdade para os meus pais dizendo que estava de carro, "tranquilo?", que já era hora de confiar em mim. Na verdade não estava de carro. Esperei ouvir gritos de insatisfação, mas o verde já tinha sido jogado com sucesso. A segunda vez para eles foi a primeira para mim, aí é que está toda a estratégia.
Desde então me tornei motorista. Insisto em endossar porque nada mais importa no trânsito do que ter essa convicção. Certeza esta que me põe à frente de confirmar todas as teorias, inclusive a de que motoristas de ônibus conspiram para que você sofra um acidente. Toda essa história para entender o próprio universo ao qual me submeto agora, duas horas por dia.
Semana passada morri no meio de um cruzamento. Se eu não tivesse avançado o último sinal antes de cruzar a rua, eu não seria o carro que estaria ali fazendo de motoristas vorazes mais vorazes ainda. É um pouco assim que funciona a lei do trânsito na minha visão. Entenda você, leigo ou teimoso, que o carro que ultrapassa o ônibus para a pista da esquerda, fica parado na pista da esquerda e vê toda a galera da direita passar logo depois. É bom também para observar barbeiragem, melhor quando o carro que buzinou para o outro acaba de fechar seu vidro fumê para passar por ele. Ah, a coragem. Ou seja, somos todos o próprio carro no trânsito. Rijo, arrogante e barulhento. Saiba, da próxima vez que for fazer uma merda, ainda que pequena, abaixe o vidro e mostre sua mão. Carros pelo menos são sensíveis a sangue pulsando. As buzinas não funcionam, nem mesmo os aceleradores.
Estar em trânsito é também conhecer todas as vinhetas de rádio do Rio. Pelo menos no meu caso. Como o carro é velhinho, não tem rádio MP3. E para piorar, está com um CD do Raul Seixas preso há 10 mil dias. A única alternativa para fugir do ronco do meu forte motor 1.0 é estar sempre em frequência de rádio. Por isso, com o hábito, criei três regras básicas para ouvir rádio e continuar prudente no trânsito. A primeira delas é fugir do locutor da Mix. Não caia na dele quando ele diz "NO BREAK!". Isto significa 'sem intervalos comerciais', ninguém falou que ele vai parar de falar. Sua voz causa irritabilidade e pode ser danosa para o veículo. A segunda regra básica é mudar para AM quando algum radialista, de algum pedacinho desse céu carioca, quiser te contar como está o trânsito. Se não te disserem que o Túnel Rebouças está engarrafado e o acesso da Jardim Botânico para quem vai para a Gávea é lento, daí para pior, estranhe. Mas estranhe muito. Agora imagina que, para quem vaga livremente pelo céu, até pedestres estão congestionados na orla de Copacabana.
E por último, a regra mais importante de todas. Existem músicas que conspiram com a velocidade. A subida de som de uma guitarra ou de uma bateira é igualmente proporcional aos quilômetros percorridos por hora. É por essas e outras que insisto na minha boa e velha Rádio de Pai FM. Me desvencilho ocasionalmente do excesso de "Rapte-me camaleoas" e "Ana Carolinas" que puder. Tirando isso, Bee Gees, Stevie Wonder e Jefferson Starship sabem melhor do que ninguém como me comporto em trânsito. Como ainda sou júnior, como ainda sou bobinho e ligo a seta para ultrapassar sem gente atrás. Como mal usei a buzina nem abri a janela para xingar nenhum taxista.
Ainda assim, aprendi que o único lugar do mundo onde o mundo não é dos espertos é no trânsito. Quando eu morri naquele mesmo cruzamento, depois de avançar um sinal, estava tocando ópera na Rádio Mec. Eu, no caso, passei rapidamente para uma pegada heavy metal. A pessoa atrás de mim, logo que voltei a ligar o carro, desviou para esquerda xingando alguma coisa que até hoje não pesquei. Cumprindo o meu trajeto até a chegada da boca do túnel, já voltando a uma pegada mais bossa, vejo um pequeno desvio de surpresa. O mesmo carro então me pedindo para entrar. Abre a janela, bota a mão, e faz sinal de "obrigado". Eu deixei passar. Prazer, eu sou motorista há três meses.

6 comentários:

mariana disse...

Minha buzina tá rouca pelo excesso de uso, o ipod só toca hip hop, arctic monkeys, the strokes, janis e jimi, eu falo sozinha, repasso a materia, xingo onibus e pessoas lerdas (embora com o vidro fechado - na verdade, eu nao abro o vidro ponto, nem pra entrar um ar). Joao deve me odiar no trânsito. Mas eu tb odeio locutores de radio, em especial os da mix e da transamerica (ainda é transamerica o nome? Essas radios mudam de nome o tempo todo...)

mariana disse...

Minha buzina tá rouca pelo excesso de uso, o ipod só toca hip hop, arctic monkeys, the strokes, janis e jimi, eu falo sozinha, repasso a materia, xingo onibus e pessoas lerdas (embora com o vidro fechado - na verdade, eu nao abro o vidro ponto, nem pra entrar um ar). Joao deve me odiar no trânsito. Mas eu tb odeio locutores de radio, em especial os da mix e da transamerica (ainda é transamerica o nome? Essas radios mudam de nome o tempo todo...)

Marcela Capobianco disse...

outro dia eu morri na subidinha perto do hotel glória e foi bem traumatizante. eu tentava arrancar e minha mãe puxava o freio de mão. aí eu tentava ir de novo, esquecia de colocar em ponto morto, aí colocava a primeira, o carro descia um pouco e minha mãe puxava o freio de mão de novo. mas não desci do banco do motorista, segui firme até em casa, mas mesmo assim não me considero apta pra ser jogada sozinha na selva de trânsito que é o rj =S

ps: as informações de trânsito nas rádios não são obrigadas a falar sempre da zona sul, ta?

João Miller disse...

tá, mas o que eu quis dizer é que o trânsito invariavelmente está lento sempre que o repórter avisa, em qualquer lugar do rio.

Matheus A. disse...

Olha , eu ja entrei na contramao no aterro, acho q a marcela estava la, ja arranquei a porta do carro no portao do predio, ja fui atingido por uma sapatao motorista de van que vai pra ilha do governador, ja fui atingido por um maconheiro...no rio, o negocio eh ser abusado...rs

João Duarte disse...

Caraca João, que texto bacana. Da vontade de ler mais, da a sensação de estar no banco do carona contigo, muito bom mesmo. Parabéns!

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