O ônibus faz a curvinha e eu torço para que o sinal esteja fechado e eu não precise saltar em frente ao cinema São Luiz e ter que voltar para atravessar em frente à Pacheco. Isso, claro, quando meu objetivo não é entrar na galeria da Parmê ou fazer um exame no Sérgio Franco. Acaba que às vezes até calha do sinal estar fechado, mas o rabugento - ou cuidadoso - motorista do 422, 498, 497, 180 ou 184 não me deixa descer antes do ponto. Já na rua, me desvencilho dos ambulantes carregados de cacarecos dignos da Uruguaiana, dos pedestres que se aglomeram e dos pombos e seus rasantes para andar absoluta pelo Largo do Machado. Se tem um lugar no Rio que é meu xodó, não tenho dúvidas, é esse pedacinho turbulento que ninguém sabe dizer se é Catete, Laranjeiras ou Flamengo. Uma fatia de Centro, salpicada de Tijuca, mas entranhada na Zona Sul. E é bem mais que só um largo. Não sei por que fui me apaixonar logo por esse canto chamado por gente que não deve conhecer direito de 'faixa de gaza carioca'. Pode ser pela convivência exaustiva, como moro em Laranjeiras, bairro estritamente residencial, meus afazeres burocráticos do tipo médicos, dentistas, autoescola e aula de canto - mentira, nunca fiz aula de canto!!! - sempre foram no Largo do Machado, que fica a quinze minutinhos de distância de casa, e isso à pé. Se não me engano, a primeira vez que andei de ônibus sozinha no Rio foi para resolver alguma coisa no Largo do Machado. Aliás, quem mora aqui nos meus arredores sempre tem 'alguma coisa para resolver no Largo do Machado', é impressionante! Eu, lá com meus 12 anos devo ter me sentido muito esperta e descolada por andar de ônibus sozinha e ainda por cima bater perna descompromissadamente no meio daquele pessoal com ritmo de Presidente Vargas. Teve uma época, já maiorzinha, com uns 15, 16 anos, que eu adorava ir andando de casa até o Largo, dando uma passadinha nas Lojas Americanas da rua das Laranjeiras para garantir o estoque de chocolate, ver a moda - leia-se os óculos de grau nas vitrines da Galeria Condor, comer uma esfihinha e voltar para casa à pé para gastar as calorias. Ah, esfiha do Largo do Machado! Taí um motivo muito forte por eu adorar o tal lugar esquisitinho. Sou alucinada pelos salgados da Rotisseria Sírio-Libaneza desde a barriga da mãe. Preciso passar lá e comer, pelo menos, uma esfiha de queijo por semana para ser uma pessoa feliz. Sou cara conhecida na casa, e não vai demorar muito para o Turco - é, eu sei que é errado, mas é assim que o pessoal aqui de casa chama - dizer: "nem precisa falar, já sei o que você quer. Dá X reais". Vou confessar que o que me motiva a fazer exame de sangue e ficar de jejum é que sei que depois vou comer esfiha de café da manhã, hábito muito saudável que minha mãe instituiu para que a gordinha aqui não se desesperasse tanto antes de ser picada por uma agulha enorme. Raramente passeio acompanhada pelo Largo do Machado, e gosto assim. Pego a esfiha, o mate, o caderninho e a caneta e fico uns minutos sentada ali, só observando os tipos que passam sem me notar. Do lado de fora da galeria, ando meio sem destino, os pensamentos vão se perdendo mas não totalmente, até porque os profissionais que entregam panfletos com uma agilidade louca aparecem toda hora, assim como mendigos pedindo uma moedinha e, esse é para os altos conhecedores: nunca posso me esquecer de que os bueiros em frente à Galeria Condor são como ventiladores e levantam as saias das desavisadas. Sinto saudade do cinema da Galeria Condor, foi lá que assisti a clássicos da infância, e acho que aquele era o único cinema que meu pai gostava e fazia uma forcinha para me acompanhar. Lembro do cheiro das poltronas e do carpete, do colorido da bomboniére... Pena que foi transformado em igreja evangélica e agora não passa de um galpão abandonado. Temos de nos contentar com o São Luiz redividido em quatro salas boas, mas sem a opulência que tinha até o fim dos anos 90. Só sei que no meio da zona de velhinhas se exercitando, velhinhos jogando dominó, passarinhos fazendo cocô, carros se atravancando, papel se acumulando no chão eu enxergo uma cena graciosa. Podem dizer que é um lugar feio, mal cuidado e perigoso mas, os chatos que me desculpem, o Largo do Machado é um charme.
2 comentários:
lembro quando eu era criança e ia pro dentista ali no predio do são luiz, e botava aquela pastinha roxa que até hoje me dá mal-estar de lembrar o cheiro. sempre odiei botar flúor, nunca achei que tivesse gosto de porra de tutti-frutti nenhum. tinha gosto de castigo. castigo por não poder comer esfiha estando no largo do machado. maldito jejum de meia hora!
Posso dizer que minha vida adulta começou no Largo do Machado qdo vim pro Rio estudar. Morei por ali na Almirante Tamandaré, e era uma Zona só com o Metro começando suas obras no Catete. Quanta lembrança, qto tempo passado, e até hoje to sempre por ali, to sempre pelo Largo do Machado
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