segunda-feira, 30 de julho de 2012

Eu quero "tsss"

Sem a pretensão de parecer não subversivo ao sistema, há uns dois quase três anos atrás eu havia parado de tomar refrigerante. Sei lá porque cargas d'água do destino, talvez complexo de sobrepeso, promessa para alguma coisa ou mesmo porque era um vício recorrente e desnecessário. Daqueles que o copo de Guaraná quando pesa em sua mão, e não tendo nada melhor para beber, é logo ingerido a goles quase que mecânicos. Mesmo quando se abre a geladeira para pensar, e sem sequer pensar duas vezes, ver-se submetido ao desejo do "tsss" do abrir de garrafas pet geladinhas. Goles de pecado - do necessário.
Passei, portanto, por esses breves três anos que pareceram longos nas primeiras reuniões de amigos com pedidas de pizza que traziam um refri de graça. Meu copo logo cheio de água até a boca, para satisfazer uma imaginária abstinência daquele suco gasoso que não fazia senão acionar breves interrompidas na conversa. (Mas sabe que uma - pausa - vez...") Nada melhor do que ver quebrar o protocolo dos mais pomposos que elevam seus dedos a boca para interromperem o caminho natural das coisas. A filosofia do arroto parecia mais interessante, embora eu começasse uma oratória linear e um vício bem mais sem graça: o mate. Sendo o limão ou o natural, a mesma função psicológica de um chiclete de nicotina. Pois é, depois acostuma-se, gosta e até sente falta. E tem uma família inteira para te acompanhar. Ice tea, chá da casa, chá verde, chá do escambal. Mas uma hora enjoa e te enerva. Só que passados três anos sem refrigerante o orgulho e a persistência te fazem resistir e se conformar com o ritmo de vida inglês dos trópicos.
Já a uma altura quase capaz de dar palestras em universidade, minha experiência sem refrigerante tinha virado uma obsessão. Algumas vezes em festas de aniversário aqui de casa - e são todos eles em épocas quentes - abria a geladeira e me deparava com um mar de garrafas de refrigerante dominando uma vastidão de garrafas d'água vazias, e mesmo assim certo a beber água a temperatura ambiente. Quando mesmo, num breve ato de loucura, abrindo uma Coca Cola só pra ouvir o "tsss", sentir o cheiro e me dar por satisfeito. Por dentro eu estava suspirando, mas por fora figurava indômito.
Um dia no trabalho o prazo mais uma vez apertou e ideias se reconfiguraram. Submetido a uma pressão nada mais do que temporal, o raciocínio de quase 20 horas trabalhando estava comprometido por clicks repetitivos de mouse e o silêncio atordoante de uma sala vazia. Na milésima vez que fui a copa para beber mais um copo nervoso de água, já exausto, com os olhos cansados de olhar para o monitor, uma luz vermelha e soberana ofuscava o ambiente. E se eu botasse menos drama nessa história ninguém acreditaria que de fato a Coca Cola de cima daquela geladeira estava predestinada a ser minha. Trezentos e cinquenta mililitros que poderiam ser revertidos em quem sabe mais uma hora de atividade cerebral e o trabalho no prazo. Peguei um copo, e dividido entre o filtro d'água e a geladeira, o diabinho de vermelho no meu ombro, fantasiado a caráter me fez decidir a ouvir o "tsss" e ser feliz.
Agora eu bebo Coca, mas só Coca. Pouco mais de uma vez por semana. Sou livre. Foi quem sabe uma nuvem negra ou a subversão do sistema. Mas que se dane, tenho três anos de - pausa - saldo.

2 comentários:

Marcela Capobianco disse...

eu quero chá!





e não bebo refrigerante há cinco anos. hahahahahahahahaha

João Miller disse...

5 anos? ah tá

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