A maior maravilha do mundo

Graças a Deus, sexta-feira. Mais graças a Deus ainda, são 17h. Agora tenho uma breve porém extensa caminhada - se for comparar com pessoas que moram em lugares normais da Zona Sul - até o ponto de ônibus. Tenho que tirar dinheiro. Ah, deixa, tiro lá nas Laranjeiras... Tudo que eu quero é ir embora dessa faculdade. É muito legal, mas na sexta-feira, tudo que se quer é ir pra casa. Ainda mais quando é véspera de feriado. Ainda mais quando foi seu dia de fazer o boletim com as principais notícias da tarde (que ninguém vai ouvir). A garrafa d'água está vazia. Nem sei quantos litros d'água tomei hoje. Por um lado foi boa essa medida do bebedouro só funcionar para encher garrafinhas, encho a minha toda hora. Já é a 4ª garrafa em 3 semanas. Sempre as esqueço num canto qualquer. Pelo menos tô fazendo um bem pro meu fígado. A peregrinação até o ponto de ônibus é calma. Vou ouvindo a playlist montada ontem... tá boa! Quando não tem ninguém muito próximo a mim, solto o vozerão. Espero o 570 pouco tempo, só uns 5 minutos. Ele para bem longe de onde eu estou - para variar. Entro no ônibus abafado e calorento. Vejo a irmã de um amigo meu num sono pesado. Será que ela perdeu o ponto dela? Sei lá. Sento lá atrás, sozinha num banco. Sei que provavelmente ninguém vai sentar do meu lado. Acho que tenho cara de antipática, mal encarada, suja, não sei... só sei que nunca sentam do meu lado no ônibus. E eu amo isso. Leio, Leio, Leio, Leio. Jardim Botânico ainda. Eita, sexta-feira!! Leio, leio, compro chiclete do moço que vende bala no ônibus. Sempre torço para que eles entrem no 570. Embora às vezes me controle e não compre nada. Leio, Leio, Leio. Sono. Chegou a hora da sonequinha diária no ônibus. Humaitá. Acordo ouvindo um barulho alto e contínuo. Estou no Rebouças. O Cosme Velho é um borrão - mistura de sonolência e (finalmente) velocidade do veículo. Caraca. Quero muito fazer xixi. Para quê beber tanta água? Por quê não fui ao banheiro na faculdade? Ai não! Ainda tenho que passar no banco antes de ir em casa. Não vou aguentar. Preciso aguentar. Não vou em casa para depois ir no banco. Desço do ônibus, preciso atravessar a rua. Sinal fechado para mim. E a bexiga, como? Tento me concentrar na música que invade meus ouvidos. Começo a cantar alto, nem vejo se tem pessoas do meu lado. No banco, todos os caixas ocupados. Ando de um lado para outro esperando algum vagar. Não, não quero sacar cinquenta reais. Espero outro caixa vagar. Também só tem nota de cinquenta. Affe, vou morrer, vou fazer xixi nas calças. Outro caixa vago, graças, dá para sacar 20. Odeio o caixa do Itaú. Demora séculos. Terminei. Tento não pensar na bexiga, me concentro na música. Sinal tá aberto. Saio correndo pela Rua das Laranjeiras. Ufa! General Glicério. Vem vindo a minha mãe, toda sorridente. Mãe, preciso fazer xixi, deixa eu correr. Na portaria, é óbvio que o porteiro não está. Graças, agora eu tenho a chave da portaria. Vou tirar o chaveiro da mochila e vários papeizinhos caem do bolso. Ai meu Deus, é hoje que a bexiga estoura. Consigo entrar na portaria. Por um milagre, o elevador está no térreo. A viagem até o 5º andar parece durar 48 horas. Chave de casa na mão. Entrei. Vou largando tudo pelo sofá. Cheguei no banheiro. Não deu tempo de tirar o iPod. Ufa! Finalmente. Começa tocar Simply Red e eu simplesmente curto o alívio. Esta é a maior maravilha do mundo.

foto: GettyImages