quinta-feira, 22 de julho de 2010

Lá e cá

Há uns quarenta e poucos anos, Caetano escreveu que, ao chegar numa tal metrópole cujas esquinas são cobertas de poesia concreta, ele nada entendeu. Existia um desconforto, uma sensação de não-pertencimento, de não-identificação com aquela cidade. Caê reconheceu que o desconhecido metia medo, e explicou quase tudo ao lembrar que Narciso acha feio o que não é espelho. Digo que ele explicou quase tudo porque, numa aparente despretensão, Caetano Veloso fala que, para ele, naquela época ainda não havia Rita Lee - a mais completa tradução da cidade cinza, sem mar e sem horizonte. E a explicação está exatamente aí. São Paulo é Rita Lee, na mesma medida em que Rita Lee é São Paulo, na melhor das visões. Para mim, não é nada difícil entender. É claro que jamais vou me comparar à Caetano, até porque, os tempos são outros. Quem fica sem entender alguma coisa quando existe o Google?
Em um mero passeio pela Rua Augusta, entendi porque São Paulo é rock'n'roll e nós, cariocas, somos bossa-nova. Seria bem esquisito se, em meio àqueles paredões de concreto e às nuvens escuras tivesse nascido a batida leve e (des)sincopada do violão bossa-novista. Em São Paulo se quer gritar, se quer ser visto. Lá, a vozinha suave de João Gilberto poderia até ser ouvida, mas possivelmente não atravessaria grossas paredes. O Rio é (ou foi?) uma cidade voltada para o contemplamento. É fácil entender o barquinho, o solzinho, a tardinha, os peixinhos, os beijinhos... Com uma natureza tão esplendorosa, era mesmo de se esperar que exaltariam estas pequenas delícias, às quais o carioca nem precisa se acostumar, porque as conhece - por som e cheiro - antes mesmo de nascer.
Olhando bem de perto a grandeza de São Paulo, senti que ela tem algo que embevece, que embala e suga ao mesmo tempo. É um algo que encantou milhões de migrantes e de imigrantes. Um algo que não sei nem o nome que tem e que, com certeza, um dia, ainda vai sacudir ou pegar pelo pé os mais incrédulos com o potencial e a força da metrópole.
Não quero, com isto, diminuir a minha cidade. Vivo no Rio de Janeiro há vinte anos e deveria agradecer por ter sido criada na Cidade Maravilhosa. Só acho que às vezes rolam uns preconceitos meio bobos. Gosto de experimentar cada sensação oposta. Acho que, na verdade, queria ser como os Novos Baianos, que passeavam na garoa paulistana, moravam num apartamento-comunidade com uma vista incrível para o Corcovado e gravavam - e agradavam -com a mesma espontaneidade uma bossinha como "Acabou Chorare" e um rockzinho doido do tipo de "Barra Lúcifer".

foto: Getty Images

6 comentários:

João Miller disse...

bom, eu já fui a sao paulo mas era muito pequeno. eu, não são paulo. hoje se eu voltar lá provavelmente estarei menor ainda.
mas tenho vontade de conhecer melhor. morar lá não sei (percalços da profissão), mas conhecer sem preconceitos e favoritismos ao rio. até pq como vc falou, são duas cidades opostas.
só adianto que não troco meu rio facilmente

Unknown disse...

É verdade! Rio e São Paulo são cidades totalmente diferentes, mas, nem por isso, uma é mais ou menos interessante que a outra. Cada uma, com suas peculiaridades, encanta e atrai pessoas de diversos estilos e personalidades. Como disse uma amiga carioca que se mudou para Sampa recentemente, para gostar de São Paulo é preciso esquecer o mar, os mergulhos que podemos dar antes (ou depois) de ir ao trabalho ou à faculdade. É preciso também esquecer o calor e se adaptar ao frio e às chuvas constantes. É preciso se acostumar com o sotaque de erres, bem diferente do nosso. Mas, ao mesmo tempo, a "terra da garoa", é também o lugar onde se conhece o lado mais "chique", mais formal das pessoas, um lugar onde se come bem e onde a população exercita a paciência, sobretudo com os engarrafamentos que tomam conta das ruas e avenidas da cidade. hahaha. Por outro lado, é uma metrópole cujo metrô tem organização digna de primeiro mundo. Acho que estas diferenças e oposições do eixo Rio - SP enriquecem a nossa cultura e tornam a vida mais bacana. Seria ótimo viver nessa ponte aérea, sem deixar de lado as belezas naturais e as melhores coisas do Rio e sem deixar de aproveitar o que Sampa tem de melhor. Enfim, assino embaixo do que você escreveu, Marcela! :)

Regina disse...

Má,

Achei muito bom!! Parabéns, você descreveu São Paulo com detalhes tão especiais que até senti o cheiro daquela cidade. S.P. me encanta. Quanto ao Rio, é esse carioquil maravilhoso, cheio de ginga que conhecemos bastante.
Um beijo.

mariana disse...

o rio é uma roça. mas - são paulo q me desculpe - beleza é fundamental.

Carlos Pinto disse...

Simples e genial

Carol Oliveira Castro disse...

adoro esse jeito meio "andei pensando" que você escreve.Você tem poesia. E poesia só existe pra quem a vê.. você vê. Amei

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