terça-feira, 31 de agosto de 2010

Infeliz coincidência

Hoje, dia 31 de agosto de 2010, é, minimamente, um dia dúbio. Como todo mundo sabe – ou devia saber -, foi hoje que circulou a última edição impressa do Jornal do Brasil, aquele lido por gerações e gerações e que foi, durante muito tempo, o maior jornal diário deste país. Com 119 anos de existência, é desnecessário dizer aqui tudo o que o JB representou para os brasileiros. Eu lembro que, quando aprendi a ler, meu pai fazia questão de recortar e trazer para mim, todo dia, as tirinhas que vinham nos jornais. Quando cresci um pouco mais, meu pai passou a trazer os cadernos infantis e algumas matérias que ele achava que poderiam me interessar. Quando começou a febre do “Harry Potter”, meu pai recortou a matéria do JB e me entregou junto com o “Harry Potter e a câmara secreta” (sim, eu li o segundo livro antes do primeiro). Não há dúvidas. Li muito JB, mesmo que só as partes infanto-juvenis, e mesmo com a quase hegemonia do O Globo.
Como estudo jornalismo, não deixei de notar um certo clima de enterro, tanto na faculdade, quanto no estágio. Professores e chefes saudosos, com um receio maior sobre o que o futuro reserva à profissão. Colegas tensos, querendo, a todo custo, garantir um último exemplar do jornal que, não faz muito tempo, era o sonho de consumo dos quase e recém-formados em jornalismo. A tensão dos meus amigos deu lugar à frustração: em agosto, só quatro bancas no Rio inteiro vendiam o Jornal do Brasil. Nenhuma delas ficava perto da faculdade.
Eu, como estagio em assessoria, consegui ler a derradeira edição do JB. E confesso que também me frustrei. Esperava uma manchete do tipo “A última manchete do JB”, ou “O fim de uma era”, ou alguma coisa deste tipo só que menos brega. Nada. Se algum desavisado olha a primeira página do jornal, não tem como notar que nunca mais poderá ter uma nova edição nas mãos. Segundo a Hildegard Angel, colunista social adeternum do JB, o editor chefe pediu para que ninguém comentasse o fim do próprio jornal. Sobrou para os outros, inclusive o “concorrente” O Globo, lembrar a morte e homenagear o JB.
Como eu disse no início do texto, 31 de agosto de 2010 é dúbio. Temos, se não me engano, pela primeira vez, a comemoração do Dia do Blog. É auspicioso que o JB de papel se despeça numa data que marca, mais uma vez, a supremacia da internet. Os donos do jornal podem até ficar contentes, porque fazem questão de lembrar que ele não morreu totalmente. A partir de amanhã, o jornal terá uma versão online que promete ser (quase) do mesmo jeito que o impresso. E ainda rolam umas desculpas envolvendo meio-ambiente, economia de papel...
A infeliz coincidência pode querer dizer alguma coisa. O futuro, tão temido pelos jornais de papel que marcaram uma época, já pode ter começado. Vai ver, o JB pode estar sendo, mais uma vez, pioneiro. Embora o cheirinho de tinta impressa no papel de má qualidade ainda agrade muita gente.
foto: GettyImages

5 comentários:

mariana disse...

meu pai comprou hoje o último JB. a gente não assina mais há mt tempo, e eu não leio mais há mt tempo, mas, assim como vc, o JB era o jornal da minha infância. aqui em casa não tinha o globo, só o JB e a folha. meu pai dizia q o JB era mt mais jornal q o globo. ele deve entender disso, tb foi jornalista, até q, num fato no mínimo sugestivo hj, largou a segunda profissão e ficou sendo só economista.
tios meus trabalharam no JB.
a capa q mais me marcou foi a d 1/04/1964, q eu nunca vi, mas me contaram q a manchete foi a previsão do tempo. o dia anterior foi o golpe de 64. achei genial.
e eu, q faço direito e não tenho mais a ver com o mundo jornalístico q a maior parte da humanidade, q apenas lê jornais, fiquei estranhamente melancólica com o fim do jornal. na verdade, quase chorei. #vergonhaprópria
ou não. vai q esse é o futuro de todos os jornais, e o JB, como antigamente, saiu na frente dos outros.

João Miller disse...

aqui em casa não tinha JB. Mas a minha avó sempre foi leitora assídua. quando eu dormia na casa dela a gente sempre ia a banca comprar. ela não gostava do globo. e por sempre confiar na opinião sábia da mina avó, eu tbm nunca gostei (embora aqui em casa meuas pais assinassem)
daí eu lembro que sempre tinha uma revista programa, ou a revista domingo no revisteiro da sala da minha avó pra folhear. e isso é um marco da minha infância. e agora não vai ter mais =(

Carlos Pinto disse...

Fico feliz por ter sido lembrado em seu blog, e mais ainda de ter contribuído de alguma forma para sua formação literária e profissional. As tirinhas do JB agora só recortando na forma do Ctrl c, Ctrl v. Bjs carinhosos

Carol Oliveira Castro disse...

Que belo. Pra mima despedida foi um pouco mais nostálgica, o JB é a maior parte do meu jornalismo, as ferias na redação, as noites dormindo em bares com a "galera do JB" O JB era uma brincadeira q virou paixão. lembro da redação da brasil onde se podia fumar, meus pais fumavam, muitas mesas com as maquinas de escrever....Eu era pequena, mas me lembro e minha conta que eu adorava. Minha veia jornalista deve ter saido de lá..

lindo texto

Regina disse...

Má, minha infância também foi marcada pelo Jornal do Brasil, não pelas tirinhas... mas me lembro que todos os dias o jornaleiro deixava na varanda.
Parabéns pelo texto, muito bom.
Aproveito a oportunidade para falar o quanto amei e me emocionei sobre o que o João escreveu sobre você, e você sobre ele... Impressionante como vocês se conhecem profundamente, e têm o dom de se expressar tão bem. Parabéns para os dois!!!
Bjs

LinkWithin

Related Posts with Thumbnails