domingo, 20 de março de 2011

Um olhar sobre Santiago

O Chile como um país alto e magro está farto de belezas e esquisitices naturais. E já lhe basta ser comprido para a população atarracada, de cabelos negros e crianças bochechudas. Santiago deve ter tido qualquer coisa de raro, cercado pela cordilheira - salpicada de neve agora em março - e mais ainda por algum surto que espalhou cães de raça pelas ruas. Outro surto espalhou nos fones de ouvido batidas incansáveis de reggaeton, que parecem mais chatas ainda do que quando tocadas fora do país. E até nas caixas de som de alguns lugares. A primeira sensação que tive quando cheguei em Santiago, há pouco mais de uma semana atrás, foi um vento frio provavelmente vindo dos Andes. Nessa cidade, onde é fácil se diferenciar como turista, é mais fácil ainda perceber-se como estranho no ninho. Não me senti assim em Buenos Aires por exemplo, que por um lado é excessiva a presença de pessoas falando português pelas ruas. Não exclui que em Santiago não tenha brasileiros amontoados. Mas o meu ponto de vista é outro, de cultura e hábitos talvez.
Conforme os dias passavam eu procurava estar certo de que o Chile tinha sua identidade cultural. Se olhasse de esquina a esquina, é de se perder de vista a quantidade de barraquinhas vendendo "mote de huesillos" uma bebida a que nada se compara no Brasil. O gosto mais próximo que consegui chegar foi algo como a calda que sobra dos pêssegos em lata, e pra incrementar, um monte de amendoins sem casca e uma fruta qualquer embebida pelo 'suco'. Outra coisa interessante é que como no Rio, você pode estar correndo perigo sem nem perceber. Em determinados trechos a calçada se confunde com a rua, e quando você menos repara, um carro vem vindo ao seu lado. Algo como uma ilusão de ótica, que os chilenos tem maestria em identificar.
Nessa minha procura insistente, achamos um ponto de fuga social. O pátio Bellavista, algo como uma Cobal otimizada, que tem diversos barzinhos e toca música ao vivo de noite. E pra me confundir mais, uma cantora entoava Tom Jobim, Tim Maia, Jorge Ben. Mais ainda, enaltecendo a cultura brasileira, o guia turístico da Casa de Pablo Neruda nos levou para viajar na sua linda história e frisou por ele mesmo que o Chile e os outros países da américa latina são uma coisa e o Brasil outra. Eu até estava me convencendo, mesmo depois de ser encantado pela vinícola Concha y Toro - e nesta ainda outro guia que falava português e conhecia até o Tiririca.
O limiar do meu ato de convencimento foi ter visitado o Museu da Memória. Um impressionante relato vivo do que foi a ditadura no país, algo que o Brasil não tem e estranhamente não autoriza ter. Do verdadeiro 11 de setembro, com o golpe militar de Pinochet, do maravilhoso discurso de Salvador Allende antes de ser misteriosamente morto, até emocionantes depoimentos de crianças que perderam seus pais nos confrontos e até mesmo foram torturadas pelos pinochetistas. Nesse momento caí na realidade de acreditar que todo país marcado tem uma identidade e um orgulho e larguei a deselegância de voltar pro Brasil irredutível.
Avaliar com seis dias de experiência é, de certa forma, superficial. Ainda mais que uma visita curta dessas sempre se torna minimamente plástica. No final, meu tempo em Santiago valeu para notar sua estrutura organizacional invejável, uma cidade que funciona. Voltaria lá, de repente pra ficar até longe do centro e por um número maior de dias. Tive a impressão de que fui embora esquecendo de captar outros tantos detalhes. Também um atrativo muito mais turístico no inverno. Mas talvez seria os tremores que eu não senti e falam que tem. Todos os dias.

Algumas fotos da viagem aqui.

Um comentário:

Marcela Capobianco disse...

acho que sempre vou ter raivinha do Chile... mas, ao mesmo tempo, é como se eu tivesse visitado com vocês.
estranho, né?

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