sábado, 11 de junho de 2011

Balaio triste

Hoje tive que, obrigada, fazer algo que precisava há muito tempo. Passar adiante livros que me acompanharam na infância e na adolescência, mas que eu já nem olhava mais. Como o móvel que os abrigava vai ser levado para Marataízes, hoje foi o xeque-mate. Acordei e já os vi do lado de fora, entulhando ainda mais um quarto que já é bagunçado. Arregacei as mangas, encontrei o antialérgico e me pus a separar os livros que tentaria vender num sebo, os que mandaria para o meu sobrinho e os que guardaria em outro lugar, porque eu seria incapaz de sobreviver sem a presença de alguns livros que me trazem tantas lembranças boas. "Tchau", da Lygia Bojunga; "Vovó Delícia", do Ziraldo; a coleção do Nelson Motta e os volumes de Harry Potter são alguns dos que nem pensei em me desfazer. Vou deixá-los comigo até que, um dia, quem sabe, meus filhos possam sentir um pouco do prazer que eu senti tocando aquelas folhas cheirosas. Finda a separação, 40 livros seriam levados para a negociação no sebo. Que balaio... A trilogia completa d'O Senhor dos Anéis, que nunca cheguei a terminar, "Férias", da Marian Keyes, tão grande que levei umas férias de verão inteira para ler, minha primeira antologia da Mafalda, a melhor compra por impulso numa feira do livro no colégio... E mais 37.
Lá, no sebo, o avaliador parecia cagar para mim e para as histórias dos meus livros. Comecei a me arrepender quando ele pegava meu livro, folheava rapidamente, e escolhia uma das quatro pilhas - que ele acabara de criar - para depositar. Alguns outros, permaneciam na mão daquele peculiar 'avaliador de livros velhos'. Tentei entender o sentido das pilhinhas, mas não consegui. Ziraldo estava na mesma pilha da Narcisa Tamborindeguy, o Tolkien ficou embaixo da Constanza Pascolato, enquanto o Capitão Cueca fazia companhia para Chicó e João Grilo, do Auto da Compadecida. Fui ficando deprimida, me sentindo a mãe que entrega os filhos à adoção. Pensei em mandar ele parar, porque aquilo ali era a minha história, e quem era ele para ir categorizando meus livros daquela forma? Mas permaneci quieta, e percebendo a real, que em breve daria tchau para aqueles títulos e também para a Marcela criança/adolescente que passava tardes e tardes deitada com um livro, ansiando pelas páginas finais. Quando o homem terminou, cinco pilhinhas estavam na minha frente. E veio a sentença: "Te ofereço 50 reais". Respondi um "Tá". E ele pegou quatro livrinhos e me deu: "Esses aqui não me interessam, não". Pensei: "Coitados, renegados até por um sebo", mas disse "Ah, tá bom. Você pode me devolver um das sacolas, então?". Peguei os 50 reais, os títulos renegados e saí da loja um pouco triste, sem dar uma última olhadinha para os meus livros, que já tinham sido tão importantes e hoje cada um valia cerca de R$1,38. Olhei para a sacola nas minhas mãos sem saber o que fazer, e uma vontade de chorar se apossou forte de mim. Me segurei, senão seria ridículo ter que explicar para alguma velhinha do Catete o que aconteceu para uma menina tão bonita estar chorando no meio da rua. Fui andando à esmo, até encontrar um gostinho de alegria numa esfiha da Galeria Condor, e me dar conta de que as minhas memórias valem bem mais do que 50 reais.

Um comentário:

Nina disse...

que livros foram rejeitados?

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