sexta-feira, 24 de junho de 2011

Pólvora e açucar

Entrei de férias da faculdade mas instantanemente me lembrei: do estágio ainda não. E como soube que só terei uma semana sem trabalho no mês de julho, resolvi me levar no tempo através desse texto pra me sentir de férias de novo. Como nos velhos tempos.

Eu sabia da chegada do meio do ano através de bombinhas e cabeções de nego estourados em sequência no pátio do meu prédio. Da mesma maneira que os fogos anunciam o ano novo. A chegada de São João intrigava a quem pedia que se respeitasse a lei do silêncio. Eu entrei na onda dos transgressores quando encomendei minha primeira caixa de bombinhas. E o interfone lá de casa não parava de tocar. No meio dos meus estudos de fim de bimestre eu procurava sempre arranjar um tempo. Pegava a caixa de fósforos escondido e descia pra brincar, na esperança de que alguém tivesse comprado a minha caixa de traques conforme combinado. Os meus amigos estavam com armamentos mais pesados: cabeções, triângulos, buscapés, vulcão, estrelinha e morteirinho. Um investimento a longo prazo. Agora, começavam as minhas férias e logo minha vida como infrator sonoro.
Muitas vezes fui pego com a mão e roupas sujas de pólvora, o bolso cheio de palitos de fósforo e a pupila dilatada pelos flashes das faíscas. Naquela época era preciso ser ligeiro para fugir dos porteiros quando um cabeção era estourado numa garrafa pet e ela caía justo na portaria, desintegrada. Depois que estourei minha primeira bombinha na mão, sem perder sequer um dedo, me entreguei porque nada mais parecia desafiador.
Paralelo aos dias de pólvora, essa era também a época que chegavam meu primos diretamente da França para as minhas férias, um dos meus momentos mais esperados do ano. E eu ficava irritadíssimo quando ainda tinha que fazer provas árduas de fim de semestre antes de poder passar o dia com eles. No dia de sua chegada, ainda que estivessem exaustos da viagem, eu fazia questão de arranjar tempo e visitá-los. Antes de tocar a campanhia dava pra ouvir umas conversas rápidas em francês, e num lapso eu pensava que pudessem ter esquecido o português e não iam saber mais se comunicar comigo. Nada. Estavam lá, Natasha e Gabriel, iguaizinhos, lembrando de mim e tudo. Nossas férias começavam maravilhosas.
Eles chegavam a ficar mais de dois meses direto aqui no Brasil, e em pelo menos um inteirinho eu me dedicava a eles. Começava pelos fins de semana, e eu nunca teria conhecido tanto o Rio de Janeiro. A primeira vez que fui ao Cristo, a primeira vez que fui ao Pão de Açucar, à Cinelândia, Feira Hippie. Eu metido a cicerone tava mais é pra turista mesmo. Sendo assim nunca teria ido ao cinema Palácio, aquele que o ingresso era quatro reais para estudante. Nem mesmo a museus como o do Índio, o da Ciência, o Museu da Astronomia, ao Anima Mundi. Fora pedaços mil do Rio de Janeiro, todos sempre com cara de programas muito livres. Tudo isso muitas vezes graças aos programas super criativos da prima/tia Paula.
Quando era dia de semana, eram só nós três pra inventar o que fazer, quando todos muitas vezes ainda estavam trabalhando ou estudando. Eu acordava cedo e minha mãe me proibia de ir pra casa deles antes das 10h. Mas imediatamente a ligação do Gabriel sempre contrariava a moral dela, perguntando e traduzindo ao pé da letra "O João tá aqui?". Começávamos a manhã gastando fortunas em bala e doces na padaria, e logo em seguida alugando a trilogia do Austin Powers ou algum filme de comédia para vermos à noite. Tivemos a época de desenhar montanhas-russas e a época de fazer diversos tipos de aviões de papel, todos nomeados e produzidos em série, que no final das férias contabilizavam centenas. Tinha também nossa fase de criação dramática, quando víamos todas aquelas fantasias numa sacola e um mundo de milhares de personagens. Natasha sempre dirigia nossas tragicomédias e montava as cenas mais hilárias, como por exemplo o dia em que Gabriel era a princesa Ana Maria Elizabeth Georgina Sofia Paulina Lucila Amélia Estér, e pra poder entrar em cena teria que decorar seu próprio nome. Fora o sucesso seguinte do Camelo Octo, que levou mais de um mês de ensaio, dia após dia. Isso tudo com o simpático aval da Tia Lúcia, a maior mecenas do sobrinho e dos netos. Sua casa foi o playground das minhas férias. E isso durante muitos anos.

Pois é, nesse texto extenso já deu pra aliviar. Me lembrei de momentos que eu mesmo havia esquecido. Músicas da época me vieram a cabeça, cheiros, gostos. E depois de tanto é até justo eu tirar só uma semana de férias. E tentar trabalhar nas outras.

3 comentários:

Marcela Capobianco disse...

minhas férias de julho sempre foram um saco, tinha mil aulas particulares pq sempre ficava de recuperação numas quatro matérias...

Carlos Pinto disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Psico BR disse...

oi Joao, encontrei o seu blog procurando pelo lp do seu tio, e levo comigo uma duvida super curiosa e de todo um publico que se formou sobre psicodelia brasileira no facebook, quem foram os musicos que ajudaram ele a gravar o linguas de fogo? nos credito aparece como desconhecidos. agradeco a sua ajuda.. pra me encontrar no facebook o meu user chama-se fabizus

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