terça-feira, 30 de agosto de 2011

Habitat natural

Já há alguns anos a história se repete. A rotina afrouxa, ela se percebe com uns quilinhos a mais, e corre para se matricular na academia. O primeiro dia é de puro deslumbre. Novos ares, novos aparelhos, nova série, novos musculosos para admirar... A meia hora na esteira passa correndo, e ela até consegue achar graça em algum programa sem som na TV. Mas aí a primeira semana vai passando - e carregando o entusiasmo - e ela começa a se lembrar por que abandonou a academia da última vez. Aquele não é o habitat natural dela, nem ao menos um lugar em que ela se sinta confortável. As paredes a amedrontam, os aparelhos com suas volumosas placas de ferro parecem dizer, em seu sincopado ritmo, "saia, saia, saia". Ela olha em volta e os outros alunos parecem seres superiores, aguentando no músculo quantidades infinitamente mais pesadas do que as que ela consegue, suando, carregar. Até o suor salpicando o rosto ruborizado denuncia que aquela ali é um corpo estranho, desacostumado a algo que parece tão simples para os outros. Mas ela tenta não se abalar. Empenhada, resolve levar todo o material da ginástica para o trabalho, e ir direto da labuta à academia, para que a vontade de desistir antes mesmo de chegar lá nem passe pela cabeça. No vestiário, troca o jeans pela lycra, o sutiã pelo top e, quando vai calçar o tênis, se dá conta de que lembrou de tudo, menos da meia, algo essencial. Não se importa. Vai correr com o pé na palmilha mesmo. A corrida dói, e é logo substituída pela caminhada intensa, que dói também, mas é um pouco mais suportável. O compasso é bom. Nos ouvidos ecoam uma batida frenética, e ela sente o clima do exercício. Mas logo o som americano é substituído pela suavidade da introdução de "Codinome Beija-flor". É, Cazuza não combina com esteira. E ela troca de música até encontrar uma mais adequada. Quem mandou não fazer uma playlist só para a ginástica? Falta de prática dá nisso. Lá em cima, no encontro com os tais aparelhos que parecem querer arrancar as molengas pernas dela, a vergonha pinta ainda mais o rosto já vermelho quando um estrondo chama a atenção de todos ao redor. Ela soltou o peso rápido demais, e as placas de ferro chocaram-se feio. "Tudo bem", ela pensa, "Sou só uma iniciante. De novo". Ela circula pelo ambiente sem trocar olhares com ninguém, apenas mostrando um sorriso torto para algum semi-conhecido. Pedir para revezar em um aparelho, jamais. Prefere esperar até que a maquininha mortífera esteja livre. E olha ao mesmo tempo resignada e com uma pontinha de inveja para a senhora que, do alto de uns sessenta e poucos anos consegue suspender quase cem quilos com uns bracinhos finos e firmes. Na hora dos alongamentos, ela pula os mais complicados, aqueles que eventualmente poderão constrangê-la frente aos ratões de academia, e faz só os velhos conhecidos da época de teatro... Pega a bolsa e sai. Aliviada porque mais um dia se passou, e ainda faltarão umas 24 horas para o próximo sofrimento. Até que a rotina aperta, ela se vê obrigada a abandonar a sessão-tortura diária,ganha uns quilinhos, aí a rotina afrouxa, a balança acusa o aumento do peso, e ela se matricula na academia.

6 comentários:

CA11 Mídias Locais disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Bia disse...

Marcela, não desista! Faça como eu que encontro uma turminha nova na ginástica localizada, jump, step ou spinning. Assim fica mais fácil do que lidar com as máquinas, "seres" que não se entendem conosco, a nata dos comunicólogos, que precisam interagir com pessoas de verdade!

João Miller disse...

Marcela, não desista! [2]
Faz logo essa playlist, tudo mudará.
Outro dia o meu aleatorio tocou Enya enquanto eu corria. Me dei conta que desacelerei alguns km/h mto depois.

mariana disse...

Por isso q eu ando e corro na rua. As pessoas sempre pensam q vc ta indo ou voltando da academia e ngm olha estranho.

João Miller disse...

hahaha, exatamente por isso que eu corro no play. ninguém me olha, ninguém me repara, ninguém sabe que eu existo, ninguém interage comigo, ninguém diz que eu estou progredindo, ninguém vê se eu roubo, ninguém me ajuda a correr direito, ninguém me ajuda a alongar, ninguém corre comigo....=(

Matheus A. disse...

Marcie,adorei....eu tambem nunca peco pra revezar.ACho que voce deveria se inspirar na BIa, nossa amiga marombeira, que nunca falta a academia....a academia apesar de tudo eh essencial, esporte eh uma das melhores coisas que se pode fazer...em primeiro lugar vem comer batata frita e chocolate...pra compensar, vc se mata na academia...bjos...

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