João, Lucas e Tomás |
O que mais me enobrece atualmente está imbuído num presente que é totalmente resultado de um passado com meus dois irmãos. Digo isso, e hoje sem o antigo medo de fortalecer um dos dois, porque ainda não sei se existe alguma outra relação parecida em alguma esfera da vida. Por volta dos meus cinco anos eu, muito atento a soberania e habilidades dos meus irmãos mais velhos, pedia autorização para ser o jovem dos Jetsons enquanto víamos o desenho na sala. O mesmo para ser o Shiryu para contar vantagem na escola. Meu irmão, o do meio, me dizia que não, que como ele era mais velho ele tinha o livre arbítrio de escolher e determinar os personagens que bem entendesse, e que aos oito (a idade dele na época) eu estaria autorizado a ser um dos dois. Conseguinte a isso, se eu voltasse para o meu quarto, eu teria de enfrentar a implicância e os golpes do outro, o maior, de quem eu nunca obedeci, mas porque nunca havia me dado motivos. Tomás se aproveitava da minha insuficiência para me bater, quando eu pegava alguma coisa sem pedir, ou simplesmente quando eu aparecia. Enquanto isso, Lucas aproveitava suas horas intermináveis de Shiryu no sofá sem nenhum arranhão. E para me livrar, se estivesse sem vontade de lutar, ou já esgotado, bastava que usasse a minha melhor arma: "Manhê!". A luta era vencida.
Um pouco mais velho, já com uns sete, eu era rebelde aos dois. Escondia os biscoitos, as balas ocasionais, o controle da TV a cabo, até brinquedos. Para sobreviver eu tinha em mente que a melhor opção era agir por conta própria, e assim o fiz. O controle da TV a cabo foi achado um ano e meio depois dentro de um casaco que já não cabia mais em ninguém e iria ser doado a um orfanato. O mesmo para um pote de plástico cheio de Fandangos que ora eu escondera, estupidamente, dentro da gaveta de travessas do fogão. Foi encontrado sem vida alguns dias depois, carbonizado. Diante do meu insucesso, das broncas dos pais, da indisciplina e desleixo que já eram associados a mim, meus irmãos venceram. Eu já não tinha mais moral nenhuma.
Dos 10 aos 12, eu já tentava quebrar a minha submissão com humildade. Arriscava uns diálogos, opiniões. Procurava me aproveitar da carinha simpática de garoto gordo na época para amolecer o coração deles. Às vezes funcionava. Conseguia não levar mais tantos golpes e ser aceito com opiniões válidas. O que eu não havia reparado é que se dava início a pejorativização do meu sobrepeso. Ou falta de tato a ele. Agora eu era o Bola, o Sebo, o Jonas Gordo e isso me tirava do sério. Existia uma certa condescêndencia só por pena da minha aparência simpática. Aos 13, a idade do chato, eu já não era mais gordo. Meus irmãos, já adolescentes, também eram chatos. Não davam mais tanta bola para mim e minha liberdade estava ali, à vista. Mas livre de quê? Da infância? Ah tá..
A partir daí, entrei na adolescência também e a nossa diferença de idade começava a não importar tanto. Eu já era amigo dos seus amigos, já falava do que eles falavam. Ainda assim eu, volta e meia, escondia um biscoito que eu preferisse. A briga agora era verbal, e quase de igual para igual. Minhas opiniões felizmente tinham importância e já não eram proferidas para ferir ou ganhar o respeito máximo. Estava num período de me achar da idade deles, e muitas vezes deixei de ouvir por achar que já sabia.
Hoje, nesse mesmo dia frio de final de inverno, eu já não vejo graça em poder ser o Shiryu. Se tivesse que me meter a brigar pela TV ou por algum brinquedo, eu hoje sou o maior dos três. E se isso fosse alguma coisa eu me acharia pronto para dizer que passei eles em maturidade. Ou que ser o caçula me fez o mais vantajoso sobre os dois. Por um lado sim, me fez. Ainda que eu possa ter a sorte de contar para o resto da vida com eles dois, eu nunca vou chegar perto do que eles sabem enquanto meus irmãos, e enquanto pessoas. Tenho hoje dois amigos, todos os dias, à hora que eu quiser. Um mais irrequiteo do que o outro, um até em contraponto ao outro. Tem dias que eu procuro ser Lucas e outros que eu procuro ser Tomás. E veja que declaração, para quem travou na infância uma briga contra os dois. Se não puder ser melhor do que hoje, que eu sempre possa tê-los a vista como parâmetro, manual de instruções, álbum de memórias. Ah, e nunca ganhei uma luta contra eles.
Feliz dia do irmão.
Um comentário:
João, ameiii!! Muito bom! Ri muito!Bjs
Postar um comentário