domingo, 23 de outubro de 2011

Se lembra do futuro

Hoje eu acordei e tudo tinha cara de não-futuro. O tempo, que à essa época do ano costuma correr pelas bocas mais impressionadas, indignadas pela sua ligeireza, não está me parecendo tão transformador nesse meu ritmo monótono de adormecer e despertar. Parei em frente à janela, como costumo fazer em domingos de divagações. E me dei conta. Final de ano é tão previsível. Antes pudesse saber do futuro como sei quando sinto cheiro de fim de ano, o meu velho clichê. Dia após dia, um jovem nostálgico, vendo algumas apostas se despedaçarem, outras novas se construírem, e um tanto de tempo por vir que eu nem sei de nada.
Por isso resolvi fazer uma auto análise temporal, pra ver o quanto o tempo me transformou a cada três anos, e tirar a prova dos nove se ele é ligeiro como dizem. Há três anos eu estava começando a faculdade, como todo calouro, cheio de gás. Comecei a poder ser preso, achei que com 18 anos já era adulto só porque quase servi o exército. Comecei a escrever música e tocar violão (mal). Entrei para publicidade mas não sabia direito o que era briefing. Levei um trote escroto. Conheci gente diferente como há um tempo não conhecia. O corte de cabelo era o mesmo, e os amigos também. Há seis anos eu nem sabia o que queria da vida. Diagramava o jornalzinho do colégio e dormia à tarde. Beijava de aparelho. Fazia teatro e gostava daquilo. Era do grêmio, fazia logotipos no Photoshop, as vezes no paint. Ia pro inglês e achava que ia ser assaltado sempre que caminhava pela rua. Comecei a beber e pagar os primeiros micos. Achava que para ser cool tinha que ficar bêbado transtornado. Era um idiota, coitado. O corte de cabelo era o mesmo. Há nove anos eu era balofo. Ia pra natação e comprava Chocolícia na volta. Sempre fui idiota. Peguei dengue e curti pra caramba. Cheguei no colégio e virei pauta. Gostava de Digimon. Era idade de matinê mas eu não ia nunca. Preferia bater bafo, jogar bola, pique ajuda, com meus amigos do prédio que eram o máximo. Não tinha traumas por ser gordo. Antes tivesse. O corte de cabelo era o mesmo. Há doze anos eu era tímido pra cacete. Achava que poderia ser super-herói. Mal saía do play. Desenhava todo dia. Era magro. O corte de cabelo era o mesmo. Há quinze anos eu ganhei um concurso de escrever mais palavras em um minuto. O prêmio era um picolé e eu espero até hoje. Já sabia ler, mas não tirava onda. Fiz de qualquer maneira a prova do CAP. Era tímido pra cacete. Mesmo corte de cabelo. Há dezoito anos é sacanagem. Só sei que ainda moro no mesmo prédio, estudei no mesmo colégio, um dos meus grandes amigos já estudava comigo e eu não me preocupava como ia ser dali pra frente.
Na mesma janela, esperando ficar escuro de novo, respiro fundo pra ver se pego algum cheiro desse futuro, cheiro de daqui a três anos, pra ver se hoje eu fiz tudo certo, só isso.

4 comentários:

mariana disse...

hoje tava revendo os primeiros episódios de friends. me sinto a rachel." welcome to the real world. it sucks. you're gonna love it". will i?

mariana disse...

de todo modo, obrigada por verbalizar meu pânico, mesmo que não pareça pelo seu texto tranquilo que há pânico. =)

Marcela Capobianco disse...

adorei o texto e tudo o mais. queria eu vislumbrar um minutinho sequer do meu 'daqui a 3 anos'. mas aqui, você não tem o mesmo corte de cabelo sempre!!! tá doido? não lembra na época do eusébio??

João Miller disse...

o corte era o mesmo. o penteado que mudava.

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