quinta-feira, 24 de julho de 2014

Elevador

Foi um dia comum, daqueles que você nem lembra o que almoçou. Pendurei os fones de ouvido no pescoço, acabou a bateria do celular. Voltando para casa entrei no elevador do meu prédio. Dei de cara com uma mulher por volta dos seus 40, um homem já mais velho e cansado com vontade de querer tirar o terno ali mesmo e um "boa noite" vindo dos dois. Respondi "boa noite" também. Nem que a noite estivesse tão boa, nada melhora o silêncio que vem depois.
Como era de se esperar, esses dois vão sair do elevador depois de mim. Eles apertaram o 7 e o 9, o que me dá a função de ter que me despedir na hora de sair. Quem sai no segundo andar, como eu, tem sempre que fazer as honras, quebrar o gelo. A subida até lá, contando com andares como garagens e o playground, não parece longa o suficiente para pensar em outro cumprimento para a despedida. Seria estranho dar "boa noite" mais uma vez. É como insistir em querer que a pessoa esteja bem, ela pode achar que não parece estar. Tchau, fique bem. A convenção duvidosa de que a noite tem sempre que ser boa nem conseguiu percorrer direito minhas ideias. Fiquei encafifado, um certo incomodozinho tirando a dor de cabeça. Já me enturmei com a ideia de um "até logo", talvez um "até amanhã" daqueles que mal saem da boca direito. Só "tchau" seria pouco, prevê uma mínima intimidade ou certa falta de respeito. A vantagem de um "até logo" é que sempre convém. Mas não consigo me imaginar falando. Meu pai dá "até logos" como ninguém, mas ele já é pai. Um "até amanhã", quem sabe. Mas amanhã talvez eu chegue tarde, seria mentira. Pode ser que de manhã eu os pegue descendo, o elevador tá sempre no 7 quando eu estou indo trabalhar. Já sei, vou levantar só a sobrancelha e abrir a porta - agora o elevador já passava das garagens. Lembrei que a gente nem se olha no olho, só se olha o chão.
Ela estava de salto alto, ele com uma daquelas pastas de couro típicas, com senha e tudo. Diria que ela não tem filhos porque tem tempo de pintar a unha do pé. Ele trabalha no Centro com certeza, há uma certa reluzência no seu sapato recém engraxado que só engraxates de rua alcançam. Eu enlouqueci. Em menos de um minuto já pensei em tudo mas não sei como ir embora sem parecer indecoroso. Até. Fica com Deus. Bença. Tchau, tchau. Tchauzinho. Comecei a cogitar o absurdo. Eles nem me conhecem, acho que vou sair sem dizer nada. É isso. Tá chegando. Vai o que vier, tô com a mão na porta.
- Ei, rapaz. Seu fone caiu.
- Puxa, obrigado!
- Boa noite.
- Boa noite.

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