quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Nunca mais

Que ótimo, acabou a bateria do iPod. E claro, tinha que ser logo no meio da música que no momento está sendo uma das minhas preferidas. Que inferno, agora vou ser obrigada a ouvir uma boa duma barulheira externa aos meus fones de ouvido. A freada do motorista, a buzina do carro ao lado, os berros da velhinha tentando se comunicar ao celular, a moça com duas crianças gritando para o motorista abrir a porta para ela "soltar", e a mesma moça gritando novamente porque o motorista não abriu a porta; e aquele, o pior dos sons que se pode escutar num ônibus: o funk altíssimo vindo do celular do carinha lá atrás. Ai meu Cristo, por que eu fui esquecer de carregar a bateria do Ipod? Não vou ter aquele momentinho fechado em mim, ouvindo minhas musiquinhas queridas, pensando em nada, relaxando e até tirando um cochilinho. Hoje vou ter que "encarar" a realidade. O menino do meu lado digita uma mensagem: 'também adorei te conhecer... beijo, linda'. Aff, linda, mas já? Começo a pensar na 'linda'. Onde eles se conheceram? Foi por acaso? Foram apresentados por amigos em comum? Ele realmente adorou conhecê-la? Ele realmente a acha linda? E ela? Mandou a mensagem primeiro, será que quer demonstrar que está a fim? Será que eles vão se ver de novo? Será que está nascendo um amor? Ou será que é fogo de palha e eles nunca mais vão se ver?
Levo um susto com um movimento brusco. É o menino que mandou a mensagem se levantando. Claro, chegou o ponto dele, ele vai descer, seguir a vida e eu nunca vou ter as respostas das dúvidas que surgiram por conta de uma mensagem que ele digitava.
Sem a diversão de tentar imaginar um possível início de relacionamento entre duas pessoas completamente desconhecidas para mim, minha atenção é sugada pelo animado papo ao telefone da mulher na minha frente. "Oi, querida! Como você tá, meu amor? É, tô no Rio, sim. Vamos, sim! É, deve estar precisando mesmo... Claro! Você vai ficar mais bela ainda! Então combinado. Um beijão, minha querida." Desta vez não tenho tempo nem de imaginar quem é a mulher e a interlocutora. Ela, assim que desliga o telefone, liga em seguida para outra 'querida'. E repete quase o mesmo papo anterior. E isto se repete mais duas vezes, em duas ligações diferentes. Fico intrigadíssima. Ela tem várias queridas... Deve ser cabelereira ou algo do gênero, e massageia o ego das clientes só para garantir mais dinheiro. Ou não, posso estar redondamente enganada. E nunca vou saber a verdade.
Com o ônibus em relativo "silêncio", começo a analisar os rostos das pessoas que viajam comigo. Aquele homem não tem cara que pega ônibus... Será que é rico mas tem consciência ecológica? Aquela ali tem cara de triste. Ou será só cansaço? O cara mais atrás bate as pernas freneticamente, mas num ritmo sincopado, com os olhos fechados, os dedos cutucando o banco da frente e os ouvidos cobertos por um gigantesco fone verde-limão. O que ele ouve? O que ele faz? Em que ponto vai saltar? O que vai fazer quando chegar ao destino?
Bate uma agonia quando vejo um rapaz num sono pesado. Ih! Será que o ponto dele já passou? Será que ele tinha hora? Será que eu cutuco ele "sem querer" quando levantar?
Levantei, meu ponto é o próximo. Puxo a cordinha, passo pelo rapaz adormecido e nem encosto nele. Não é da minha conta... vai que ele só vai descer no ponto final? Nunca vou saber.
Salto do ônibus, sinto a brisa calma do outono, canto baixinho uns versos quaisquer e sigo o meu caminho. E não tive nem tempo de me despedir daquelas pessoas que nunca conheci e nunca mais vou ver.
foto: GettyImages

5 comentários:

Carol Oliveira Castro disse...

Delicioso...

João Miller disse...

Putz, eu penso nisso as vezes. E como sou muito apegado às vezes fico até deprimido de ter a consicência de que talvez eu não veja nunca mais aquela pessoa.
Hoje a vida é a arte dos encontros efêmeros.

mariana disse...

adorei! =)
e fato q a mulher era cabeleireira, "deve estar precisando mesmo... vai ficar mais linda ainda..." fato, papo de cabeleireiro.

Regina disse...

Má,
A vida de passageiro de ônibus é essa.... escuta um papo aqui, outro lá... fica louco para saber o que aconteceu depois.... (comigo várias vezes... fiquei ligadona na conversa das pessoas que estavam no banco de trás). Lembro que uma vez estávamos indo para Valença, e uma amiga, que era tão curiosa não se conteve e perguntou para o motorista o que o homem que estava ao nosso lado, levantou e foi falar no ouvido dele e ele ficou rindo... sabe o que era? Uma cantada........ acredite??? Bjs Mama

Carlos Pinto disse...

Que coisa feia, ficar ouvindo converssa alheia. Eu hein. Vão ler um bom livro. Bjs

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