sábado, 25 de fevereiro de 2012

O sétimo artista


Na poltrona de ângulo ruim em sala que entrega um cinema não mais popular como antes. Casais esparsos, poucos fãs de não-enlatados. Em sua maioria, poltronas desocupadas. Alguns como eu também com cara de querer marcar um xis na lista dos filmes indicados ao Oscar. As luzes ainda estavam acesas nos comerciais em animação 3D, cochichos e smartphones na página do Facebook enquanto o filme de fato não começava. Fiz bola com meu chiclete triplo sabor enquanto botava o meu celular no silencioso.
Sem paciência, tomei o último gole de água no trailer, enquanto olhava com aflição para a porta do cinema ainda aberta. O lanterninha chegou quando eu estava quase tomando coragem pra fechar. Fechou com desprezo. Chegavam os atrasados quando a orquestra dentro do filme já exaltava notas altíssimas. De cara, a primeira cena mostra um cinema aos velhos costumes, com orquestra ao vivo e apresentações cômicas para entreter a platéia. Nessa metalinguagem, eu e todos na sala, anacrônicos, esboçando um sorriso por se sentir bem vindos nos anos 20.
O breu fez sumir as cores da sala. Minha goma de mascar, agora monocromática, perdera o sabor. A trilha sonora daquelas que acalanta, enquanto George Valentin conhecia Peppy Miller por um engano, era o único som por ora. E, na trama, a ideia de alavancar o cinema falado como fórmula de sucesso. Mais, a sensação era de se sentir numa estreia à própria época. Fiz questão de não ir ao banheiro por ter que encarar a modernidade de volta. Olhei pouco para a minha roupa e o arredor. Imaginei o couro do sapato apertando o pé no lugar do tênis apertado. Aproveitei a duradoura sensação de chapéu na cabeça, herdada de alguns dias de carnaval, e me apropriei de um de feltro que ali ficou. Era como se voltasse num tempo que não vivi, totalmente familiarizado. E em horas em que o silêncio absoluto era a melhor ferramenta do filme, quando dava para ouvir o ruído do projetor e mais nada, nem sequer o senhor da frente se ajeitou como fazia a cada minuto.
No clímax, já a incorporação por inteira. Embalado pela dura insistência de Valentin em se manter como artista mudo, sucumbindo no estouro das falas e diálogos dos novos filmes. Eu torcia igualmente para que voltasse a vingar o mudo de novo nas telas, reverenciar um novo Chaplin, talvez. Era aquele instante indescritível, que te faz por algum tempo um paradoxo no tempo e espaço. É o caminho de ida e de volta na mesma película. O cinema falado, sucesso absoluto no passado, e o cinema mudo, puro encantamento no presente.
No desfecho, a vontade de aplaudir, jogar o chapéu para o alto. As luzes se acenderam como um banho de água fria. Já senti meu celular no bolso apitando, chegando mensagem pelo 3G. Pisei na garrafinha de plástico e sem perceber saquei outro chiclete insuportavelmente colorido. Saí da sala conversando, ainda deslumbrado. Talvez me despedindo da sala, que hoje pareceu incrivelmente uma máquina do tempo.

Um comentário:

Tom disse...

O Artista é bem legal. Gostei muito do filme. O mais curioso, para mim, é ter sido uma espécide de über-homenagem do cinema francês (o diretor, Michel Hazanavicius, é francês, assim como a maior parte da equipe) a Hollywood, que é, para o bem e para o mal, a antítese da escola francesa.

Os detalhes históricos estavam perfeitos. Reparem que, quando o George Valentin cruza o Sunset Blvd., a montanha está com as letras 'HOLLYWOODLAND'. O 'LAND' só seria retirado em 1949.

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